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Além do IMC: especialistas propõem nova forma de diagnosticar obesidade

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Uma nova proposta, publicada no jornal científico The Lancet Diabetes & Endocrinology nesta terça-feira (14) e endossada por 75 organizações médicas ao redor do mundo, apresenta uma nova forma de abordar e diagnosticar a obesidade. O trabalho propõe utilizar outras estratégias além do Índice de Massa Corporal (IMC), como medidas de gordura corporal e sinais e sintomas objetivos de problemas de saúde.

Estima-se que, atualmente, mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com obesidade. A nova proposta oferece, do ponto de vista dos autores, uma oportunidade para os sistemas de saúde globais adotarem uma definição universal e clinicamente relevante de obesidade e um método mais preciso para seu diagnóstico.

A proposta foi elaborada pela Comissão sobre Obesidade Clínica para abordar as limitações da definição e do diagnóstico tradicional da obesidade, que dificultam a prática clínica e as políticas de saúde, resultando em pessoas com obesidade não recebendo o tratamento adequado e necessário.

Além disso, a Comissão busca resolver, com a nova proposta, o debate em torno da ideia da obesidade como uma doença.

“A questão sobre se a obesidade é uma doença ou não é equivocada, porque presume um cenário impossível de tudo ou nada, onde a obesidade é sempre ou nunca uma doença. As evidências, no entanto, mostram uma realidade mais complexa. Alguns indivíduos com obesidade podem manter a função normal dos órgãos e uma saúde geral, mesmo a longo prazo, enquanto outros apresentam sinais e sintomas de doença grave aqui e agora”, afirma o presidente da Comissão, Francesco Rubino, do King’s College London, no Reino Unido.

“Considerar a obesidade apenas como um fator de risco, e nunca como uma doença, pode negar injustamente o acesso a cuidados em tempo oportuno para pessoas que estão enfrentando problemas de saúde devido apenas à obesidade. Por outro lado, uma definição generalizada de obesidade como doença pode resultar em diagnósticos excessivos e uso indevido de medicamentos e procedimentos cirúrgicos, com potencial de dano ao indivíduo e custos exorbitantes para a sociedade”, continua.

Para Rubino, a reformulação na maneira de diagnosticar e abordar a obesidade “permite cuidados personalizados” e “o acesso oportuno a tratamentos baseados em evidências para indivíduos com obesidade clínica, como apropriado para pessoas que sofrem de uma doença crônica, bem como estratégias de gestão de risco para aqueles com obesidade pré-clínica, que têm um risco aumentado à saúde, mas sem doença contínua”.

Qual é a nova proposta?

Embora os especialistas reconheçam que o IMC é útil como ferramenta de triagem para identificar pessoas potencialmente vivendo com obesidade, os autores da nova proposta recomendam que o diagnóstico não seja baseado apenas no IMC. Em vez disso, eles sugerem a confirmação do excesso de massa gorda e sua distribuição pelo corpo utilizando um dos seguintes métodos:

  • Pelo menos uma medição do tamanho corporal (circunferência da cintura, relação cintura-quadril ou relação cintura-altura) em complemento ao IMC;
  • Pelo menos duas medições do tamanho corporal (circunferência da cintura, relação cintura-quadril ou relação cintura-altura), independentemente do IMC;
  • Medição direta da gordura corporal (como por meio de densitometria óssea ou DEXA), independentemente do IMC;
  • Em pessoas com IMC muito alto (por exemplo, >40 kg/m²), pode-se presumir pragmaticamente a presença de excesso de gordura corporal.

Por que ir além do IMC?

Embora o IMC seja útil para identificar indivíduos em maior risco de problemas de saúde, a Comissão destaca que o índice não é uma medida direta de gordura, não reflete sua distribuição ao redor do corpo e não fornece informações sobre saúde e doença no nível individual.

Para Ricardo Cohen, coautor da publicação do The Lancet, head do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e presidente mundial da Federação Internacional de Cirurgia da Obesidade e Distúrbios Metabólicos (IFSO), o IMC não é suficiente para diagnosticar a obesidade.

“O IMC, simplesmente, fala se o indivíduo é grande ou não, a partir do cálculo do peso pela altura ao quadrado [kg/m²] e mais nada. Ele não define onde está a gordura depositada, não nos diz a medida direta da quantidade de gordura que esse indivíduo tem e, fundamentalmente, não determina se ele tem doença ou não”, explica Cohen em entrevista à CNN.

Nesse sentido, Cynthia Valerio, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), acrescenta que o IMC “não é uma medida absolutamente confiável de atribuir saúde ao indivíduo”.

“Afinal de contas, quando você mede peso por altura ao quadrado, não está sendo determinado esse peso é de massa muscular ou de tecido adiposo. Se esse indivíduo, por exemplo, tiver uma altura com concentração de massa muscular mais predominante, ele vai ser um indivíduo saudável, mesmo não tendo um IMC baixo. O contrário também é verdadeiro: a massa de tecido adiposo tem uma menor densidade, pesa menos na balança e, muitas vezes, o paciente pode ter doenças relacionadas ao excesso de tecido adiposo e, ainda assim, ter um nível de IMC normal ou menor do que 30, que é o critério para obesidade atual”, explica Valerio à CNN.

A diretora ressalta, ainda, que o IMC foi estabelecido levando em consideração medidas de uma população caucasiana e, por isso, pode não ser representativo para todas as etnias. “Temos que considerar que o peso corporal e a altura de uma pessoa com ascendência indígena, por exemplo, vai ser absolutamente diferente [da caucasiana]. O IMC pode ser útil em termos populacionais, mas em termos individuais pode dar medidas equivocadas e não refletir a composição corporal”, completa.

Diante desses fatores, abordar a obesidade apenas com base no IMC pode levar a um diagnóstico excessivo da doença, do ponto de vista de Paulo Miranda, coordenador da Comissão Internacional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

“Do ponto de vista individual, o IMC tem algumas limitações. Como ele não é uma medida direta da adiposidade [nível de gordura no corpo] ele pode superdiagnosticar obesidade em pessoas que não têm excesso de adiposidade, mas tem o aumento de massa magra. Obviamente, ele é muito eficaz para o diagnóstico da maioria das pessoas, mas não todas. O documento [da Comissão] traz a sugestão da inclusão de outras medidas que são mais representativas da gordura corporal, mas que, isoladamente, sem o IMC, muitas vezes, não entrega esse diagnóstico”, afirma à CNN.

Obesidade clínica e obesidade pré-clínica

A proposta da Comissão também apresenta duas novas categorias de obesidade: a clínica e a pré-clínica. A obesidade clínica é definida como uma condição associada a sinais e/ou sintomas objetivos de redução na função dos órgãos, ou uma capacidade significativamente diminuída de realizar atividades diárias padrão, como tomar banho, vestir-se, comer e controlar a continência, diretamente devido ao excesso de gordura corporal.

Com isso, pessoas com obesidade clínica devem ser consideradas como portadoras de uma doença crônica em andamento e receber manejo e tratamentos adequados. Para que essa condição seja diagnosticada, a Comissão estabelece 18 critérios de diagnóstico para adultos e 13 para crianças e adolescentes, incluindo:

  • Falta de ar causada pelos efeitos da obesidade nos pulmões;
  • Insuficiência cardíaca induzida pela obesidade;
  • Dor nos joelhos ou quadris, com rigidez articular e redução da amplitude de movimento, como efeito direto do excesso de gordura corporal nas articulações;
  • Certas alterações ósseas e articulares em crianças e adolescentes que limitam o movimento;
  • Outros sinais e sintomas causados por disfunções de órgãos como rins, vias aéreas superiores, sistemas metabólicos, nervoso, urinário, reprodutivo e linfático nos membros inferiores.

Já a obesidade pré-clínica é uma condição de obesidade com função normal dos órgãos. Portanto, pessoas vivendo com obesidade pré-clínica não apresentam doenças em andamento, mas têm um risco aumentado de desenvolver obesidade clínica e outras doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, certos tipos de câncer e transtornos mentais.

“A grande importância de diferenciar obesidade pré-clínica da obesidade clínica é definir as pessoas que precisam de uma intervenção com um tratamento medicamentoso ou uma intervenção mais agressiva”, afirma Valerio. “Se o paciente, no caso da obesidade clínica, já tem uma disfunção de algum órgão, alteração da sua capacidade de atividades diárias ou complicações relacionadas ao excesso de gordura, ele tem que ter o seu tratamento priorizado”, completa.

No entanto, vale ressaltar que a obesidade pré-clínica não significa, necessariamente, que a pessoa vai desenvolver obesidade no futuro, mas, sim, que ela possui um risco aumentado. “Esse risco pode ser, simplesmente, por questões genéticas ou do próprio fenótipo da pessoa, ou seja, ela é grande fisicamente, mas não apresenta disfunção de órgãos e nem outra doença [relacionada ao excesso de gordura]”, explica Cohen.

Além disso, a distinção entre duas formas de obesidade pode ajudar a estabelecer protocolos de tratamentos mais eficazes com os recursos atualmente disponíveis. “Os recursos como medicações eficazes e cirurgia bariátrica podem ser alocados para tratamentos de forma mais eficaz, ou seja, tratando as pessoas que mais precisam, por causa do impacto da doença no momento, e que terão mais efeito a longo prazo na saúde dessas pessoas”, acrescenta Miranda.

Propostas são consideradas um avanço por especialistas

As propostas feitas pela Comissão é enxergada como um avanço no manejo da obesidade, podendo trazer benefícios para a saúde pública.

“Essa abordagem detalhada para a obesidade permitirá métodos baseados em evidências e personalizados para prevenção, manejo e tratamento em adultos e crianças vivendo com obesidade, permitindo que recebam cuidados mais adequados e proporcionais às suas necessidades. Isso também economizará recursos de saúde ao reduzir a taxa de diagnósticos e tratamentos desnecessários”, afirma a comissária Louise Baur, professora da Universidade de Sydney, na Austrália.

Para Valerio, o novo conceito é “um primeiro passo” para melhorar a qualidade de vida das pessoas que convivem com obesidade e para racionalizar os recursos disponíveis para o tratamento da doença.

“Eu vejo como uma evolução, afinal de contas, antigamente só utilizávamos o critério antropométrico e, justamente, o IMC, que tem tantas limitações. Então, esse novo conceito deve ser aprimorado, mas a tendência é que, agora, não tenhamos mais pessoas diagnosticadas, mas tenhamos a priorização do tratamento de quem sofre com mais impacto na saúde relacionado ao excesso de tecido adiposo”, afirma.

Para Miranda, a nova proposta pode trazer impactos positivos para a saúde pública. “O mais importante é estabelecer um olhar para aquelas pessoas que precisam de mais atenção, e estabelecer programas e linhas de cuidado para atenção à saúde que vão contribuir de maneira significativa para a saúde pública, com alocação de recursos bem direcionados”, observa.

Para Cohen, as mudanças podem mudar como a obesidade é enxergada na saúde pública. “No SUS [Sistema Único de Saúde], por exemplo, existe uma escala de gravidade para um paciente que precisa de transplante: são priorizados aqueles que possuem um quadro mais grave. Na obesidade, queremos que isso seja feito de forma semelhante: eu trato o indivíduo mais grave primeiro, que é o caso da obesidade clínica, ou seja, quem tem a doença no presente momento”, afirma.

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Fonte: www.cnnbrasil.com.br

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