Ao longo da última década, o tratamento do câncer ginecológico passou por uma transformação significativa, incorporando avanços técnicos e uma abordagem mais centrada na paciente. O impacto psicossocial das neoplasias ginecológicas, sobretudo em mulheres jovens em idade fértil, tem conduzido a uma mudança de cenário: tratar o câncer com eficácia, sem negligenciar os aspectos reprodutivos e hormonais.
Essa evolução não ocorre apenas pela incorporação de novas tecnologias, mas principalmente por uma visão mais ampla e integrativa do cuidado oncológico, onde o prognóstico e a preservação da identidade feminina caminham lado a lado. Com o aprimoramento da oncoginecologia, diversas neoplasias antes tratadas com procedimentos altamente invasivos hoje podem ser abordadas com técnicas minimamente invasivas e estratégias conservadoras.
Em casos bem selecionados de câncer de colo uterino em estágio inicial, por exemplo, a traquelectomia radical surge como alternativa à histerectomia, permitindo a preservação do útero e, consequentemente, da fertilidade. O mesmo raciocínio aplica-se ao câncer de ovário de baixo grau e ao câncer de endométrio em pacientes jovens, nos quais é possível, em determinados cenários, preservar ovários e útero com acompanhamento rigoroso e individualizado.
A laparoscopia e, mais recentemente, a cirurgia robótica têm permitido ressecções mais precisas, com menor sangramento, menor tempo de internação e melhor recuperação pós-operatória, além de menor impacto sobre estruturas reprodutivas adjacentes.
Preservação da fertilidade
A oncofertilidade tornou-se uma subespecialidade essencial dentro da oncologia feminina. Técnicas como o congelamento de óvulos, embriões ou tecido ovariano já fazem parte da rotina em centros de referência e devem ser discutidas com todas as pacientes em idade fértil antes do início do tratamento.
Além disso, o uso da supressão ovariana com análogos de GnRH durante a quimioterapia tem mostrado eficácia na proteção da função ovariana, particularmente em pacientes com câncer de mama receptor hormonal negativo.
Planejar o futuro reprodutivo de uma paciente com câncer é parte do tratamento. Cada vez mais, as diretrizes internacionais recomendam que a preservação da fertilidade seja abordada antes do início da terapêutica, oferecendo autonomia e opções reais para essas mulheres.
Diagnóstico precoce e abordagem multidisciplinar
Embora os avanços terapêuticos sejam relevantes, sua eficácia depende diretamente de diagnósticos precoces e equipes capacitadas. Neoplasias ginecológicas diagnosticadas em estágios iniciais ampliam as possibilidades de intervenções conservadoras.
O papel do ginecologista, neste contexto, é fundamental para a suspeita precoce. Uma vez diagnosticado o câncer, a atuação conjunta de oncologistas clínicos, cirurgiões ginecológicos, especialistas em fertilidade, psicólogos e enfermeiros especializados constitui o modelo ideal de cuidado e acompanhamento da paciente.
Tratamento humanizado e medicina personalizada
A abordagem humanizada também se mostra indispensável. A mulher em tratamento oncológico ginecológico não enfrenta apenas uma doença, ela vivencia um luto simbólico de sua fertilidade, de sua sexualidade e, por vezes, de sua feminilidade. O suporte psicológico adequado e contínuo não é acessório: é parte integrante do tratamento.
A medicina oncológica moderna caminha na direção da personalização e da preservação. Tratar o câncer ginecológico com segurança oncológica e sem apagar a possibilidade de ser mãe é uma realidade cada vez mais concreta.
Esses avanços exigem atualização científica, protocolos personalizados e escuta ativa, para que a paciente possa seguir sua trajetória não apenas livre da doença, mas também com dignidade e escolhas preservadas.
*Texto escrito pelo oncologista Luis Eduardo Werneck (CRM 9638-PA / RQE 73414), diretor clínico do Grupo Oncológica do Brasil e membro Brazil Health
Fonte: www.cnnbrasil.com.br