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Direitos humanos sempre, anistia nunca mais!, por Ivan de Carvalho Junqueira

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07/12/2023

Coluna | 40 anos da Lei de Anistia e as continuidades | Brasil de Fato

10 de de­zembro é o Dia In­ter­na­ci­onal dos Di­reitos Hu­manos. Data dos 75 anos da pu­bli­cação da De­cla­ração Uni­versal, marco im­por­tante em res­posta ao ho­lo­causto e às atro­ci­dades da 2.ª guerra mun­dial.

Di­reitos hu­manos ou bar­bárie. Não há meio termo. In­fe­liz­mente, de­fender essa ban­deira, ainda hoje, é fonte de con­tendas e de turvas in­dig­na­ções. Gente que, con­tra­ri­ando a pró­pria gê­nese, os en­xerga como di­ri­gidos a “ban­didos”. Os mesmos que, di­zendo-se cris­tãos e “de bem”, afirmam: “Ban­dido bom é ban­dido morto”. De fato, as pes­soas sub­me­tidas à pri­vação de li­ber­dade, seja adulto ou ado­les­cente, não deixam de possuí-los. Até porque, a pena de prisão não é ou não de­veria ser sinô­nimo de ba­ni­mento, mal­grado as con­di­ções de­su­manas e in­sa­lu­bres dos cár­ceres de norte a sul do país. Ocorre que a res­pon­sa­bi­li­zação por atos pre­gressos, uma vez as­se­gu­rada a ampla de­fesa e o con­tra­di­tório, é im­pres­cin­dível, mas não lhes re­tira a con­dição pri­meira de hu­manos.

Ao curso da his­tória o ím­peto au­to­ri­tário teima a nos rondar. Aqui e acolá. E, mesmo sob a in­sígnia de­mo­crá­tica, vi­o­la­ções aos di­reitos hu­manos per­sistem, são re­cor­rentes. Não raro, pelas mãos bé­licas de Es­tados ditos ci­vi­li­zados e tidos por porta-vozes, al­guns com as­sento per­ma­nente no con­selho de se­gu­rança da ONU e, por­tanto, com poder de voto e de veto. En­se­jando, no mais das vezes, la­mentos ou li­geiras con­fis­sões, talvez uma nota de jornal, até o pró­ximo evento. Sem rup­tura efe­tiva com o que aí está.

Sob o ponto de vista nor­ma­tivo há um ex­pres­sivo nú­mero de do­cu­mentos (leis, de­cla­ra­ções e con­ven­ções) enal­te­ce­dores dos di­reitos hu­manos. A questão pre­cípua, hoje, é ul­tra­passar a re­tó­rica do papel, su­plan­tando as boas in­ten­ções e con­vertê-los em prá­ticas con­cretas.

“Di­reitos hu­manos para hu­manos di­reitos”… Todos nós já es­cu­tamos ou, é pro­vável, re­pro­du­zimos esse dis­curso. O re­co­nhe­ci­mento disso é ne­ces­sário, não para no­minar cul­pados, somos cor­res­pon­sá­veis, mas para mudar a rota da lo­co­mo­tiva.

O Brasil, após 21 anos de di­ta­dura civil-mi­litar, teve a des­fa­çatez de eleger – pelo voto po­pular e di­reto – um in­di­víduo, até então, ir­re­le­vante po­li­ti­ca­mente e mais co­nhe­cido por sua ver­bor­ragia de­lin­quente. Tendo por herói um tor­tu­rador no­tório, con­de­nado in­clu­sive pelo con­ser­vador Tri­bunal de Jus­tiça do Es­tado de São Paulo e ou­trora atu­ante no ex­tinto DOI-Codi à rua Tu­toia, o maior centro de re­pressão, tor­turas e as­sas­si­natos que se tem no­tícia e que, como um pre­núncio do porvir, já o “ho­me­na­geara” no ple­nário da Câ­mara dos De­pu­tados, em 17 de abril de 2016, sem qual­quer con­sequência na es­fera cri­minal. Pois é, ca­ma­radas. Dor­mi­en­tibus non suc­currit jus. A his­tória, assim como o di­reito, não so­corre aos que dormem…

“Sou fa­vo­rável à tor­tura, tu sabe disso”. “O erro da di­ta­dura foi tor­turar e não matar”. Só para ilus­trar. Um ar­senal de ab­surdos pro­fe­ridos e de­mons­trados desde sempre à luz do dia nessa Re­pú­blica das Mi­lí­cias sem maior sur­presa ou con­fronto de po­si­ções e ideias. Ora na di­fusão do ódio com es­cora numa su­posta li­ber­dade de ex­pressão, ora no fe­tiche às armas e à eli­mi­nação do outro, ora na as­que­rosa imi­tação de pes­soas com falta de ar em plena pan­demia da Covid-19 (mais de 700 mil mortos!) ou, ainda, na forma de se vestir, vide os di­zeres de sua ca­mi­seta: “Di­reitos hu­manos: es­terco da va­ga­bun­dagem”.

Tal fi­gura, em­bora de­plo­rável, é o re­flexo da pró­pria so­ci­e­dade ou, me­lhor, de parte dela, hip­no­ti­ca­mente iden­ti­fi­cada. Vi­o­lenta desde o nas­ce­douro, a partir do sangue in­dí­gena e negro e das ten­ta­tivas de apa­ga­mento e “novas ver­sões”, pau­tadas na de­sin­for­mação e de­so­nes­ti­dade in­te­lec­tual, mor­mente con­di­zentes com os que pro­pagam e se ali­mentam de fake news.

Nesse trá­gico con­texto, muitos exigem o re­torno das fardas e dos co­turnos ao poder e es­bra­vejam por um “novo” Ato Ins­ti­tu­ci­onal n.º 5 (AI-5), o mais duro golpe. Em plena de­mo­cracia (2019-2022), tanto quanto frag­men­tada, ocu­param mais cargos e fun­ções de re­levo do que à sombra da pró­pria di­ta­dura civil-mi­litar. De­cor­rência, também, da ab­so­luta falta de uma jus­tiça de tran­sição e do desdém para com um dos seus mais caros pi­lares: o di­reito à me­mória, ver­dade e jus­tiça, no con­tra­ponto ex­plí­cito aos hor­rores dos anos de chumbo.

Jus­ta­mente para que a per­ver­si­dade do pas­sado ja­mais se re­pita, não obs­tante o “museu de grandes no­vi­dades…” (Ca­zuza, 1988). De se somar a edição da Lei n.º 6.683/79 – Lei da Anistia, mas sem des­me­recer os le­gí­timos an­seios por re­de­mo­cra­ti­zação que, sob tu­tela mi­litar, ni­velou tor­tu­rados e al­gozes, em com­pleta afronta às nor­ma­tivas in­ter­na­ci­o­nais de di­reitos hu­manos ao re­futar a im­pres­cri­ti­bi­li­dade dos crimes contra a hu­ma­ni­dade, in­clusa a tor­tura, le­vi­a­na­mente con­ver­tidos em “po­lí­ticos”. Trinta e cinco anos de­pois da fes­te­jada pro­mul­gação da Cons­ti­tuição de 1988 a con­sa­grar, de forma ex­pressa, a pre­va­lência dos di­reitos hu­manos (ar­tigo 4.º, II), o re­sul­tado não po­deria ser muito di­fe­rente.

Si­gamos atentos e vi­gi­lantes. Di­reitos hu­manos, di­reitos de todas e todos. Ontem e hoje… Anistia Nunca Mais!!

Ivan de Car­valho Jun­queira é autor é so­ció­logo e edu­cador na Fun­dação CASA-SP

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