Poucos gestos são tão marcantes na história da política brasileira quanto Ulysses Guimarães erguer a Constituição de 1988 como um troféu, após 21 anos de ditadura e dois anos de votações e tensões para se chegar àquela Carta Magna.
Repetir o ato do presidente da Assembleia Constituinte, que dá nome ao plenário da Câmara dos Deputados e ainda hoje é ícone do MDB, não foi decisão trivial: era preciso fazer de caso pensado, e ao mesmo tempo de forma o mais autêntica possível, para que não se tornasse uma caricatura.
Hugo Motta (Republicanos-PB) foi bem-sucedido no gesto inaugural do mandato como presidente da Câmara. Bradou um viva à Constituição e repetiu a cena de mais de 36 anos atrás – e 11 meses antes de ele próprio vir à luz em Patos, filho e neto de políticos tanto da parte de pai quanto de mãe.
A cena foi ensaiada horas antes da eleição da tarde desse sábado (1º), com a mesma atenção dada às 17 menções ao “Senhor Diretas” durante o discurso de pouco mais de 10 minutos.
Atos políticos assim não são por acaso nem fruto de mera nostalgia. É fato que as referências à Constituição e a Ulysses têm lastro nas memórias familiares: o avô do recém-eleito presidente da Câmara, Edivaldo Motta, foi deputado constituinte pelo PMDB, depois de ter feito carreira política na Paraíba pela Arena. A avó, a deputada estadual Francisca Motta (MDB), estava no sábado ao lado do neto e se orgulhou do que chamou de simbologia histórica do dia.
Mas essa conexão com o “Senhor Diretas” também serve de anteparo aos que volta e meia lembram a proximidade de Motta com outro ex-presidente da Casa, Eduardo Cunha. Ao buscar semelhanças com quem promulgou a Constituição, o presidente da Câmara demonstra querer distância de crises institucionais, ainda que também encontre na Carta argumentos para defender o Legislativo nas disputas com outros Poderes, como o imbróglio das emendas parlamentares.
Na Constituinte, Ulysses e o então presidente José Sarney (MDB) viram surgir na Câmara a primeira formação do Centrão e o acirramento da barganha política entre Executivo e Legislativo – é nesse contexto que o deputado Roberto Cardoso Alves (MDB) parodiou São Francisco de Assis ao dizer que, na política, “é dando que se recebe”.
Eleito com votação suprapartidária de todos os espectros políticos, Hugo Motta terá dois anos para mostrar, além do “ódio e nojo à ditadura”, que estilo e princípios adotará no comando da Câmara. Assim como os defensores da democracia e a presença de Ulysses no plenário da Casa, o Centrão ainda está aqui.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br