O ex-vice-presidente dos Estados Unidos Mike Pence criticou as tarifas do presidente Donald Trump nesta segunda-feira (5), argumentando que um iminente “choque de preços” na economia e uma potencial escassez levarão os americanos a “exigir uma abordagem diferente” da Casa Branca.
Em uma entrevista com Kaitlan Collins, da CNN, Pence rejeitou os comentários recentes de Trump de que as crianças nos Estados Unidos terão que se contentar com menos brinquedos.
Pence também vê algumas das ações do republicano como rupturas drásticas das políticas aplicadas no primeiro mandato. Isso inclui o “fraco apoio à Ucrânia” na guerra com a Rússia e a “marginalização do direito à vida” que, segundo o ex-vice-presidente, se deu à escolha de Robert F. Kennedy Jr. como secretário de Saúde e Serviços Humanos.
Agora, observando o retorno de Trump ao poder de longe, Pence disse que planeja apresentar publicamente argumentos sobre essas questões — em parte para que Trump possa ouvir outras visões que aqueles na Casa Branca não estão apresentando.
“Seja lá o que o futuro me reserva, tentarei ser uma voz consistente para aqueles valores conservadores que acredito não serem apenas a política certa para o Partido Republicano, mas também o melhor caminho para um futuro sem limites para o povo americano”, disse Pence.
Os comentários do ex-vice-presidente foram feitos um dia após ele receber o prêmio John F. Kennedy Profile in Courage por suas ações em 6 de janeiro de 2021, dia em que apoiadores de Trump atacaram o Capitólio. Pence enfrentou pressão de Trump para usar seu papel constitucional de presidir a contagem dos votos do colégio eleitoral para tentar anular o resultado da eleição presidencial de 2020.
Na entrevista, que ocorreu na Biblioteca Presidencial JFK, em Boston, Pence disse que Trump “enviou a mensagem errada” ao perdoar ou comutar as sentenças de mais de mil apoiadores que se revoltaram no Capitólio.
“Fiquei profundamente decepcionado ao ver o presidente Trump perdoar pessoas que se envolveram em atos de violência contra policiais naquele dia. O presidente tem todo o direito, segundo a Constituição, de conceder perdões, mas, naquele momento, achei que isso transmitiu a mensagem errada”, disse o ex-vice-presidente.
A esposa e a filha de Pence estavam com ele no Capitólio naquele dia, e alguns manifestantes gritaram “enforquem Mike Pence”. O ex-vice-presidente lembrou-se de ter visto policiais do Capitólio dos EUA correndo para proteger o prédio, mesmo depois de alguns terem ficado feridos.
“Nenhum deles se abalou”, disse ele. “Sua coragem, sua bravura, devem ser aclamadas pelas gerações futuras, porque eles garantiram a posse do Capitólio e nos permitiram nos reunir novamente no mesmo dia e concluir nosso trabalho sob a Constituição.”
Tarifas “não são uma vitória para o povo americano”
Pence argumentou que a abordagem comercial do primeiro governo Trump — incluindo a renegociação de um pacto com o Canadá e o México e tarifas específicas sobre importações chinesas — foi bem-sucedida.
Mas ele disse que Trump está tomando um caminho muito diferente agora.
“Tenho preocupações de que, com o apelo do presidente por tarifas amplas contra amigos e inimigos, em última análise, o governo esteja promovendo políticas que não são direcionadas a países que têm abusado de nossa relação comercial, mas que são essencialmente novas políticas industriais que resultarão em inflação, que prejudicarão os consumidores e que, em última análise, prejudicarão a economia americana”, disse ele.
Durante o primeiro governo Trump, Pence disse ter tido “muitas conversas longas” com o presidente americano sobre comércio. Ele reconheceu que os dois têm profundas diferenças filosóficas sobre o assunto, com Trump defendendo uma “visão histórica de que, no fim das contas, um certo limite mínimo de tarifas sobre todos os produtos que entram no país servirá ao público americano e à nossa economia”.
Pence disse que acredita no “livre comércio com nações livres”.
“Deveríamos envolver nossos parceiros comerciais em todo o mundo livre para reduzir barreiras comerciais, barreiras não tarifárias e subsídios”, disse ele. “Mas, quando se trata de regimes autoritários, devemos ser firmes, permanecer firmes e exigir que eles abram seus mercados e respeitem nossa propriedade intelectual.”
Mas, Pence acrescentou: “Eu acho que essa versão de política tarifária, que é ampla, indiscriminada, aplicando tarifas a amigos e inimigos igualmente, não é uma vitória para o povo americano”.
Pence disse que os americanos podem rapidamente enfrentar um choque financeiro quando a pausa de 90 dias anunciada por Trump em 10 de abril — sobre as altas tarifas “recíprocas” que ele impôs anteriormente — for suspensa. Ele também alertou sobre uma potencial escassez.
“Estou preocupado que, quando a chamada pausa de 90 dias acabar, até mesmo o governo tenha admitido que pode haver um choque de preços na economia e pode haver escassez”, disse Pence.
Pence foi questionado sobre o comentário recente de Trump de que “talvez as crianças tenham duas bonecas em vez de 30, sabe? E talvez as duas bonecas custem alguns dólares a mais do que normalmente custariam”.
Ele disse que produtos baratos são parte do que permite aos americanos viverem de acordo com suas possibilidades.
“Tenho duas filhas adultas. Tenho três netas pequenas. E veja, manter as bonecas acessíveis, manter os brinquedos dos nossos filhos acessíveis, isso realmente faz parte do sonho americano”, disse Pence.
“Acho que o povo americano verá as consequências disso. Acho que eles exigirão uma abordagem diferente”, disse ele.
Pence também rompeu com Trump sobre as frequentes afirmações do presidente de que o Canadá deveria se tornar o 51º estado dos EUA.
“Acredito que o Canadá tem sido um grande aliado nosso, cujos soldados lutaram e morreram ao lado dos americanos em todas as guerras desde a Primeira Guerra Mundial”, disse ele.
“Putin não quer a paz, ele quer a Ucrânia”
Pence também rompeu com Trump sobre o presidente russo, Vladimir Putin, depois que Trump disse na semana passada que acredita na palavra de Putin de querer a paz com a Ucrânia. A Rússia invadiu o país há mais de três anos.
“Se os últimos três anos nos ensinam alguma coisa, é que Vladimir Putin não quer a paz; ele quer a Ucrânia. E o fato de estarmos há quase dois meses seguindo um acordo de cessar-fogo com o qual a Ucrânia concordou e a Rússia continua adiando e dando desculpas confirma esse ponto”, disse Pence.
O ex-vice-presidente disse que Putin “só entende o poder”.
“É por isso que, neste momento, precisamos deixar claro que os Estados Unidos continuarão a liderar o mundo livre, a fornecer à Ucrânia o apoio militar necessário para repelir a invasão russa e alcançar uma paz justa e duradoura”, disse ele. “O apoio hesitante demonstrado pelo governo nos últimos meses, acredito, só fortaleceu a Rússia.”
Os comentários de Pence foram um argumento amplo a favor da ordem global pós-Segunda Guerra Mundial e da importância do papel dos Estados Unidos no cenário mundial. Trump retirou os Estados Unidos de alguns pactos internacionais e instou os países europeus a investirem mais em defesa.
Pence citou a Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar de países europeus e norte-americanos, e disse que, se Putin tiver sucesso na Ucrânia, ele espera que a Rússia invada um membro da OTAN.
“Para mim, não se trata apenas da Ucrânia. Eu realmente acredito que, se Vladimir Putin invadir a Ucrânia, é apenas uma questão de tempo até que ele cruze uma fronteira onde nossos homens e mulheres uniformizados terão que lutar contra ele”, disse Pence.
“Eu mantenho a velha doutrina de Reagan de que se você estiver disposto a lutar contra nossos inimigos em seu território, nós lhe daremos os meios para lutar contra eles lá, para que não tenhamos que lutar contra eles”, disse ele.
Pence disse que a reunião no Salão Oval entre Trump, o vice-presidente JD Vance e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky em fevereiro foi “lamentável”.
“Achei que o presidente Zelensky foi imprudente ao apresentar seu argumento à mídia no Salão Oval, e achei lamentável a forma como o presidente e o governo responderam naquele momento”, disse ele.
Mas Pence também destacou o encontro de Trump e Zelensky no Vaticano, à margem do funeral do Papa Francisco, e disse que “parece que reconstruímos o diálogo”.
Ele disse que o acordo que as duas nações assinaram na semana passada, que dará aos Estados Unidos acesso aos recursos minerais da Ucrânia em troca do estabelecimento de um fundo de investimento na Ucrânia, “envia uma mensagem ensurdecedora a Moscou de que os Estados Unidos e a Ucrânia estão aqui para ficar”.
Preocupações com o papel de RFK Jr.
Pence criticou a escolha de Robert F. Kennedy Jr. como secretário de saúde e serviços humanos. Kennedy é um o ex-candidato presidencial democrata que se tornou independente em 2024 e que abandonou a disputa presidencial para apoiar Trump.
O ex-vice-presidente disse que suas preocupações com Kennedy surgiram inicialmente de seu apoio aos direitos ao aborto.
“A própria ideia de um presidente republicano nomear um defensor dos direitos ao aborto para liderar o Departamento de Saúde e Serviços Humanos é simplesmente inaceitável para mim. Políticas relativas à santidade da vida, relativas à proteção da consciência, todas passam pelo HHS, e eu tinha essas preocupações”, disse Pence.
Ele também criticou o longo histórico de Kennedy de lançar dúvidas sobre a segurança e eficácia das vacinas, à medida que um surto de sarampo em vários estados continua a crescer.
Na semana passada, Kennedy solicitou aos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA um “processo científico” em toda a agência para tratar o sarampo e outras condições com medicamentos, bem como terapias alternativas, como vitaminas, disse o HHS em um comunicado.
“Tenho preocupações de que tenhamos um secretário no HHS que tem uma carreira de vida minando a confiança pública nas vacinas”, disse Pence. “Deveria haver o oposto. E espero que continuemos a ouvir vozes em todo o país que se manifestem neste momento pelo bem dos nossos filhos e netos.”
Pence elogiou alguns aspectos da atual administração de Trump, incluindo seus esforços para reprimir imigrantes ilegais que entram no país.
Ele disse ter “grande confiança” na procuradora-geral Pam Bondi e chamou Tom Homan, o czar da fronteira de Trump, de um “grande homem da lei”.
Questionado sobre a resposta recente de Trump a uma pergunta sobre se todos em solo americano merecem o devido processo legal — “Não sei, não sou advogado”, disse Trump — Pence disse que tem “toda a confiança” de que o governo “resolverá as questões do devido processo legal e com o apoio dos nossos tribunais”.
“Acho que um dos aspectos geniais do nosso sistema e da nossa Constituição é que as proteções e liberdades ali consagradas são oferecidas a pessoas nos Estados Unidos, não apenas aos cidadãos americanos. E tenho plena confiança de que o governo entende isso”, disse Pence.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br
