O Governo de Javier Milei ampliou a capacidade de atuação das Forças Armadas argentinas, que com as novas disposições poderão ser chamadas a participar em determinados assuntos de segurança interna.
Através de dois decretos, Milei modificou o regulamento da Lei de Defesa Nacional, que foi sancionada em 1988 por Raúl Alfonsín, com o retorno da democracia após a ditadura militar (1976-1983).
O objetivo da lei de 1988 era estabelecer a margem de atuação das Forças Armadas nos conflitos que exigissem a sua intervenção “de forma dissuasora ou eficaz” para garantir a soberania e a independência nacionais face a agressões de origem externa, mas ao mesmo tempo limitar no tempo a interferência dos militares nas atividades dentro do país.
Em seguida, considerou-se oportuno salientar que “para elucidar as questões relacionadas com a Defesa Nacional”, deve-se ter “permanentemente em conta a diferença fundamental que separa a Defesa Nacional da Segurança Interna”, conforme explicitado no artigo 4.º daquela legislação.
A lei, regulamentada quase duas décadas depois, durante o governo de Néstor Kirchner em 2006, estabelecia que o aparato militar poderia atuar em resposta a ataques “perpetrados por forças armadas pertencentes a outro(s) Estado(s)”.
O regulamento sofreu algumas modificações durante as presidências de Mauricio Macri e Alberto Fernández, com este último voltando à abordagem que Kirchner lhe havia dado.
No entanto, as novas disposições vão numa direção diferente: redefinem o conceito de ataques de origem externa, expandem as áreas de operação militar e autorizam o Ministério da Segurança a solicitar a colaboração da Defesa para questões de segurança interna.
O governo Milei argumenta nos fundamentos de seus recentes decretos que as anteriores regulamentações assinadas por Kirchner faziam parte de “um viés ideológico contrário à defesa dos interesses vitais da República Argentina”.
Valor estratégico
De acordo com a Lei de Defesa, a Prefeitura Naval Argentina e a Gendarmaria Nacional, que são forças de segurança, são responsáveis, entre outras coisas, pelo controle e vigilância das fronteiras terrestres e aquáticas e pela “custódia dos objetivos estratégicos”.
Através de um primeiro decreto assinado por Milei e pelos Ministros da Segurança e Defesa, Patrícia Bullrich e Luis Petri, o Governo definiu os objetivos de valor estratégico como “qualquer bem, instalação ou conjunto de instalações fixas e entidades materiais de vital importância para o Estado”.
Além disso, conferiu ao Poder Executivo competência para determinar com exclusividade quais são esses objetivos, sem necessidade de passar pelo Congresso, o que era exigido anteriormente, e dispôs sobre a “cooperação interinstitucional” para que o Ministério da Segurança possa solicitar o apoio do Forças Armadas e polícias federais e forças de segurança quando o Poder Executivo assim o considerar.
Ampliação de escopo
O segundo decreto, justificado pela “evolução tecnológica e novas formas de definição de conflitos”, amplia o âmbito de atuação das Forças Armadas ao ciberespaço, ao espectro eletromagnético e ao espaço exterior e expande o conceito de agressor externo, não o limitando às forças armadas de um Estado, mas considerando também figuras como organizações paraestatais estrangeiras, organizações terroristas ou outras organizações transnacionais, ou qualquer forma de agressão externa que afeta os interesses vitais da nação.
Além disso, determina que as Forças Armadas poderão “complementar a atuação das forças de segurança nas zonas de segurança fronteiriça” com atividades de formação operacional, bem como apoio logístico ao sistema de segurança interna, apoio à comunidade e assistência em caso de desastres naturais ou emergências.
Organizações fazem alerta
A posição do Governo argentino quanto ao papel das Forças Armadas é uma das muitas mudanças promovidas pela atual administração.
O maior investimento na Defesa ao longo do ano, o regresso dos desfiles militares e até a difusão de um polêmico vídeo no Memorial Day (que homenageia as vítimas da última ditadura militar) são apenas alguns exemplos dessa mudança de paradigma.
Em diálogo com a CNN Español, Manuel Trufó, diretor de Justiça e Segurança do Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CELS), alerta que “é preocupante que estejam a ser feitos progressos na militarização da segurança quando não há uma situação real que o exija”.
“Na ausência de cenários reais de risco de terrorismo ou crime organizado, de que se fala, mas em termos muito vagos, resta suspeitar que se trata mais de um projeto político”, afirma Trufó, que destaca um aspecto: a inclusão de infraestruturas relacionadas com determinadas atividades econômicas como parte dos “Objetivos Estratégicos de Valor” do primeiro dos decretos acima mencionados.
“Este é um governo que se pronunciou contra os bloqueios como forma de protesto, que caracterizou como terroristas os manifestantes e as comunidades indígenas que reivindicam os seus territórios. Há uma preocupação aí também”, conclui.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br