Sentada em sua barraca infestada de moscas na cidade de Gaza, Iman Rajab peneira torrões de farinha repetidamente.
Ela encontrou meio saco de farinha em uma lixeira. Está infestado de pragas e apresenta claros sinais de contaminação. Mas ainda é a melhor esperança de Rajab para manter seus seis filhos alimentados e vivos. Então, ela peneira a farinha mais uma vez para fazer pão.
“Meus filhos estão vomitando depois de comer. O cheiro é horrível”, diz Rajab sobre o pão que produz. “Mas o que mais posso fazer? O que darei para alimentar meus filhos se não for isso?”
Ela é uma das centenas de milhares de pais em Gaza que lutam para alimentar seus filhos enquanto a região devastada pela guerra caminha para uma fome generalizada e totalmente provocada pelo homem.
Por quase dois meses, Israel realizou um cerco total a Gaza, recusando-se a permitir a entrada de um único caminhão de ajuda humanitária ou mercadorias – o período mais longo em que Israel impôs um bloqueio total desse tipo.
Israel afirma ter cortado a entrada de ajuda humanitária para pressionar o Hamas a libertar reféns. Mas organizações internacionais afirmam que suas ações violam o direito internacional, com algumas acusando Israel de usar a fome como arma de guerra – um crime de guerra.
O impacto é claro: o Programa Mundial de Alimentos (PMA) anunciou esta semana que seus armazéns estão vazios; as cozinhas comunitárias que ainda funcionam estão racionando severamente seus últimos estoques.
A pouca comida que resta nos mercados de Gaza está sendo vendida a preços exorbitantes, que a maioria não pode pagar. Um simples saco de farinha agora custa o equivalente a US$ 100, disseram várias pessoas à CNN.
Os casos de desnutrição infantil aguda também estão aumentando rapidamente, um dos sinais reveladores da fome iminente. Quase 3.700 crianças foram diagnosticadas no mês passado, um aumento de 82% em relação a fevereiro, segundo dados das Nações Unidas.
Usama al-Raqab, de cinco anos, já perdeu 3,6 kg no último mês, pesando agora apenas 9 kg, segundo sua mãe. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o peso médio de um menino saudável de 5 anos é de cerca de 18 kg.
Ele tem várias condições médicas preexistentes – incluindo um distúrbio pancreático e problemas respiratórios – que exigem uma dieta rica em gorduras e proteínas para se manter saudável. Esses alimentos tornaram-se quase completamente indisponíveis à medida que o cerco israelense se aproxima do terceiro mês.
A pele de Usama agora gruda nos ossos, e sua mãe diz que ele mal consegue andar.
“Tenho que carregá-lo para todos os lugares. Ele só consegue andar da barraca até o banheiro e nada mais”, diz ela.
Quando sua mãe tira suas roupas para lhe dar banho, ele se encolhe de dor. Cada movimento é doloroso em sua condição.
Entregas de alimento estão bloqueadas em Gaza
As organizações de ajuda humanitária, que antes eram a resposta para a crise alimentar que assolou Gaza durante grande parte desta guerra, agora também estão sem respostas.
Em um armazém vazio, a coordenadora de emergência do Programa Mundial de Alimentos em Gaza, Yasmin Maydhane, disse que os suprimentos da organização foram “esgotados”.
“Estamos em uma situação em que mais de 400.000 pessoas que recebiam assistência de nossas cozinhas de refeições quentes – que são a última salvação para a população – estão paralisadas”, disse ela.
Se Israel apenas abrisse os portões de Gaza, o PMA afirmou estar pronto para enviar ajuda humanitária suficiente para alimentar toda a população por até dois meses.
A Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA), principal agência da ONU que apoia os palestinos, afirmou ter quase 3.000 caminhões carregados de ajuda aguardando para entrar em Gaza. Ambas as agências precisam que Israel suspenda o bloqueio para que essa ajuda chegue.
À medida que a situação em Gaza piora, Israel não deu nenhuma indicação até o momento de que esteja planejando qualquer ação para evitar a fome generalizada.
Os aliados europeus de Israel – incluindo França, Alemanha e Reino Unido – têm feito apelos cada vez mais urgentes para que o país permita a entrada de ajuda humanitária – com uma exceção notável.
Ao contrário do ano passado, quando o governo do ex-presidente dos EUA, Joe Biden, pressionou Israel repetidamente para facilitar a entrada de mais ajuda em Gaza, o governo do presidente Donald Trump está apoiando o bloqueio israelense.
O Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca emitiu declarações de apoio ao controle israelense sobre o fluxo de ajuda humanitária como moeda de troca para obrigar o Hamas a libertar mais reféns.
Já na semana passada, o recém-nomeado embaixador dos EUA em Israel, Mike Huckabee, rejeitou os apelos de autoridades humanitárias para pressionar Israel a abrir as fronteiras.
“O que eu gostaria de sugerir é que trabalhemos juntos para colocar a pressão onde ela realmente merece: sobre o Hamas”, disse, pedindo ao grupo militante que aceite outro acordo para a libertação de reféns.
“Quando isso acontecer e os reféns forem libertados, o que é uma questão urgente para todos nós, esperamos que a ajuda humanitária flua livremente”, completou.
Mas os civis famintos de Gaza estão ficando sem tempo. Em um refeitório comunitário em al-Nuseirat, campo de refugiados no centro de Gaza, na sexta-feira passada (25), centenas de palestinos esperaram em uma fila sob o sol escaldante pela única refeição que a maioria deles faria naquele dia.
Sentada no chão, uma idosa chamada Aisha protege a cabeça do sol com a panela que espera encher de comida. Ela se sente mal – sua cabeça parece estar derretendo, diz ela.
“Estamos famintos, cansados e exaustos desta vida”, diz Aisha, com a voz fraca de fadiga. “Não há comida, não há nada. A morte é mais fácil do que esta vida.”
Jovens e idosos se aglomeram na frente da fila, com panelas e tigelas erguidas. A única refeição diária desta associação de caridade tornou-se sua única salvação – mas a rotina exaustiva de horas gastas em filas por um sustento escasso está levando ele e muitos outros ao limite.
“Esta panela – como ela pode alimentar oito pessoas?”, grita Abu Subhi Hararah, palestino incapaz de conter sua frustração. “Quem devo alimentar – minha esposa, meu filho ou os idosos?
“Nossos filhos estão morrendo na guerra, nos bombardeios em escolas, tendas e casas”, ele grita. “Tenham misericórdia de nós. Estamos procurando um pedaço de comida”.
Fonte: www.cnnbrasil.com.br