Genocídio é abertamente defendido na grande mídia.
Desde o dia 7 de outubro, mais de 8.500 já foram mortas em Gaza, sendo que quase metade são crianças. “Gaza se transformou em um cemitério para milhares de crianças. É um inferno na Terra”, declarou James Elder, porta-voz da Unicef. Além das bombas, a falta de água, de comida e de energia impõem uma tortura psicológica nas crianças sobreviventes, que carregarão o trauma para as futuras gerações.
O ex-diretor do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, Craig Mokhiber, deixou um recado claro ao se aposentar do cargo: o que acontece em Gaza é um genocídio. A ONU fracassou e está submetida aos interesses dos EUA e ao lobby de Israel. “Mais uma vez, estamos vendo um genocídio se desenrolar diante de nossos olhos, e a organização a que servimos parece impotente para impedi-lo (…) Nas últimas décadas, partes importantes da ONU se renderam ao poder dos EUA e ao medo do lobby de Israel, abandonando princípios e se afastando do próprio direito internacional”, afirmou.
Não há mais possível haver dúvidas de que o mundo está diante de um genocídio. O povo palestino está cercado e na mira de um plano de limpeza étnica comandado pelo governo de Israel, com o apoio da maior potência do mundo.
Mas há quem apoie abertamente o extermínio do povo palestino. Nesta semana, veio à tona a demissão de Deborah Srour, uma jornalista brasileira, judia, que reside em Nova York. Ela era integrante do Hora Israelista, um programa de rádio do grupo Rede Bandeirantes que existe de 1946, que vinha sistematicamente propagando discurso de ódio contra o povo palestino. A demissão ocorreu após Deborah Srour cometer um sincericídio em que deixa claro o que muitos defensores do governo de extrema-direita de Israel pensam, mas não têm coragem de falar. Srour disse que todos os palestinos são “animais”, que “não há civis inocentes em Gaza” e que o exército isarelense deveria ser “mortífero” na resposta ao ataque do Hamas de 7 de outubro. “Se eles se comportam como animais, então Israel tem de lidar com eles como animais”, afirmou sem fazer qualquer distinção entre os terroristas e a população civil.
Comparar um povo com animais é desumaniza-lo e historicamente costuma servir de justificativa para exterminá-lo. Nazistas chamavam os judeus de “ratos” antes do Holocausto. Srour pregou abertamente o genocídio de um povo. Não abre exceção nem para as crianças. Trata-se literalmente de uma defesa aberta do extermínio étnico do povo palestino.
Essas não foram as primeiras barbaridades ditas no programa. Segundo relatos de ouvintes, os integrantes eram identificados com o bolsonarismo e os comentários racistas contra palestinos eram recorrentes, ainda que feitos de maneira menos explícita. Não é difícil imaginar o que Deborah Srour deve ter falado nos últimos 22 anos em que foi comentarista do programa. Nesse período, além do apartheid imposto pelo governo israelense, a população de Gaza sofreu uma série de massacres.
Durante todo esse tempo, a Rede Bandeirantes não viu problema em dar voz a quem prega o ódio. Após a pregação do extermínio dos palestinos, a emissora nada fez e só foi demiti-la 15 dias depois, após a repercussão da denúncia feita pela Matinal. Ou seja, as afirmações não chocaram nem a direção da rádio, nem a patrocinadora do programa — a Federação Israelita do Rio Grande do Sul.
Nesse meio tempo, Srour utilizou o espaço para reforçar a defesa da aniquilação dos palestinos: “Como qualquer pessoa normal, expressei minha opinião de que Israel deveria exterminá-los”. E repetiu para não deixar dúvidas: “Não há inocentes em Gaza”. Sobre as críticas às suas falas, Srour demonstrou não ter qualquer arrependimento e ainda desrespeitou a memória dos judeus exterminados pelos nazistas: “Sou mil porcento judia e sionista. Não sou uma judia daquelas que se dobra, que vai para o gueto calada ou como uma carneira para a câmara de gás”.
Após a demissão e a decisão de tirar o programa da grade, a emissora foi criticada pela Federação Israelista gaúcha . Em nota, a patrocinadora do programa se disse contra qualquer discurso de ódio, mas não critica diretamente Deborah Srour. O foco do texto é a crítica à “censura” da Band e a defesa daquela ladainha bolsonarista que confunde “liberdade de expressão” com liberdade para cometer crimes de ódio.
Aliás, para a surpresa de ninguém, Deborah Srour é uma bolsonarista de quatro costados. Em texto publicado em seu blog após a demissão, a jornalista afirmar que os diretores da emissora “foram atrás da propaganda esquerdopata, completamente falida moralmente, que escolheu apoiar a chacina cometida por um grupo terrorista do que expressar sua solidariedade com Israel.” Em outro momento, Srour defende as teorias conspiratórias que fazem a cabeça dos bolsonaristas: “a democracia intoxicou a modernidade com liberdade — liberdade em relação à família, liberdade em relação ao gênero, liberdade em relação à valores e agora liberdade da moralidade. A democracia está aos poucos assassinando a claridade moral.”
A jornalista usa o Twitter para defender a extrema direita do Brasil e do mundo. Segundo ela, “Donald Trump foi o melhor presidente que os EUA já tiveram”. Durante as eleições de 2018, Srour ajudou a espalhar nas redes a mentira de que as urnas eletrônicas brasileiras “foram programadas na Venezuela”. Ela também defendeu a publicação de uma fake news em favor de Bolsonaro um dia antes da eleição de 2022, porque, segundo ela, “faz bem para o fígado”:
A cartela do bingo bolsonarista está completa.
Deborah Srour pode ser acusada de muitas coisas, menos de ser hipócrita. A jornalista fala exatamente o que pensa, diferente da maioria dos jornalistas que estão espalhados pela grande imprensa comercial defendendo igualmente, ainda que de maneira velada, o massacre perpetrado pelo governo de Israel.
Não pega bem defender diretamente o apartheid, a limpeza étnica e o assassinato de milhares de crianças. Mas é possível pregar tudo isso de maneira indireta, sem comprometer os empregos. Defender as ações terroristas de Benjamin Netanyahu em Gaza, mas ao mesmo lamentar as mortes de inocentes e tratá-las como mero efeito colateral, é hipócrita. Não faz sentido lógico defender de maneira absoluta as ações terroristas e depois lamentar suas consequências. A única diferença entre Deborah Sour e outros jornalistas é a hipocrisia. E é justamente a hipocrisia que garante o emprego.
João Filho
Colunista