Antes que a maioria se definisse por Hugo Motta (Republicanos-PB), o deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA) esteve fortemente cotado para se tornar presidente da Câmara. Chegou também a figurar como possível nome para presidir a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Casa. Tornou-se no dia 1º de fevereiro o 2º vice-presidente. Apesar, porém, de todo esse prestígio interno, Elmar Nascimento demonstrou na semana passada pouco apreço por um dos deveres que um deputado deve manter, de acordo com o Regimento Interno da Cãmara e o seu Código de Ética: o decoro parlamentar.
Pouco após assumir a 2ª vice-presidência, Elmar Nascimento pode ter se envolvido em uma situação que pode levá-lo a processo no Conselho de Ética que, em última instância, pode levar á cassação do seu mandato. Ao ser procurado pela jornalista Natália Portinari, do portal UOL, para responder a questionamentos de uma reportagem que ela apurava, o parlamentar, que quase disputou a presidência da Câmara contra Hugo Motta xingou a jornalista com palavrões de baixo calão. Além de chamá-la de “vigarista”, o deputado mandou-a “tomar no c…” e “se f…”.
Ética
Em seu capítulo segundo, artigo 3º, o Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara estabelece que é dever do deputado federal “tratar com respeito e independência os colegas, as autoridades, os servidores da Casa e os cidadãos com os quais mantenha contato no exercício da atividade parlamentar, não prescindindo de igual tratamento”. Natália Portinari é uma cidadã brasileira. Cumpria seu papel de repórter. Tratou Elmar Nascimento com a devida educação. Elmar, assim, desrespeitou o Código de Ética da Câmara.
Elmar vem sendo investigado pela Operação Overclean, da Polícia Federal, que apura irregularidades e desvio de recursos de emendas parlamentares ao orçamento. Ela apura problemas em obras do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) na cidade de Campo Formoso (BA), cujo prefeito era o irmão de Elmar, Elmo Nascimento. A PF apura a compra de um apartamento por Elmar, em Salvador, do empresário Marcos Moura, conhecido como “rei do lixo”., que é também alvo da investigação. No curso dessa apuração, Natália Portinari questionou Elmar Nascimento sobre o aluguel de uma casa de luxo na praia de Trancoso, em Porto Seguro (BA), pertencente a um empresário investigado por corrupção. Queria saber o valor pago pelo aluguel. O 2º vice-presidente da Câmara se recusou a responder e xingou a profissional da imprensa.
“Agora quer saber por quanto é que eu estou alugando? Quer colocar a minha renda? Você quebrou meu sigilo? Você sabe quanto eu ganho? Você olhou no meu Imposto de Renda que eu tenho uma empresa, que eu tenho duas empresas? Você sabe quanto é que a minha empresa me dá? Vá procurar o que fazer, minha filha. Tá apaixonada por mim, é? Vai tomar no c*, pô. Me respeita, rapaz. Sou um homem de bem”, disse. Em outro trecho do diálogo, Elmar chama Natália de “vigarista” e a manda “se f…”.
Repúdio
Nesta sexta-feira (7), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu uma nota de repúdio sobre o caso, o qual julgou “oposto à democracia e à liberdade de expressão”.
“Enquanto Natália procurava exercer sua função profissional, o nobre deputado, de forma prepotente, passou a proferir uma sequência de palavras de baixo calão em atitude ameaçadora e com ofensivo ranço de viés sexista. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) não pode admitir que um episódio constrangedor, lamentável, vergonhoso como esse apresentado pelo segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, passe em branco”, destacou a associação.
“Em nome dos jornalistas, a ABI espera que o Congresso Nacional, por meio dos presidentes recém-eleitos das duas casas legislativas e seus pares, encontre os mecanismos previstos em seu regimento interno para coibir as cenas lamentáveis de hoje e exigir reparação pública do deputado Elmar Nascimento”, completou a ABI.
O Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal também emitiu nota: “Em vez de aproveitar a salutar oportunidade de prestar contas à sociedade, defendendo-se de suspeitas da polícia, o parlamentar passou a agredir verbalmente a jornalista. Foram proferidos palavrões, foram feitos questionamentos sobre suposto o caráter da jornalista e houve ao menos uma referência sexista à profissional. O deputado ainda fez ameaças de processo judicial sem que sequer apontasse qualquer informação supostamente incorreta publicada pela jornalista”, observou o sindicato.
Entenda
Na manhã desta sexta-feira, a jornalista Natália Portinari publicou uma matéria denunciando um aluguel do deputado federal em Trancoso, Porto Seguro (BA). O proprietário do imóvel é o empresário Gervásio Meneses de Oliveira, que o adquiriu em um leilão judicial em outubro de 2023. Em 2020, Gervásio foi indiciado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) por corrupção. Ele foi alvo da Operação Injusta Causa, da Polícia Federal (PF), que apura suposto esquema de venda de sentenças.
O aluguel de um imóvel na região custa até R$ 100 mil mensais. Considerando que Elmar Nascimento e sua esposa Luciana de Olivaes Lacerda Nascimento – funcionária no Tribunal de Contas do Estado da Bahia – são funcionários públicos, ambos estão limitados ao teto constitucional de R$ 46.366,19. Ao ser questionado do valor, Elmar se recusou a informá-lo e xingou a jornalista.
Em janeiro deste ano, após encontrar citações de possíveis envolvimentos de Elmar Nascimento, a PF encaminhou a Operação Overclean para ao Supremo Tribunal Federal (STF), já que o parlamentar tem foro por prerrogativa de função.
Procurado por meio de sua assessoria, Elmar Nascimento não respondeu à reportagem.